A verossimilhança na Literatura Fantástica
 



Dica de Escrita

A verossimilhança na Literatura Fantástica

Emilly Garcia


Anéis mágicos, mortos-vivos, viagens no tempo, objetos falantes, seres humanos que voam. A literatura fantástica está cheia deles. Não raro, narrativas assim costumam ser ambientadas em universos regidos por leis próprias, que não podem ser explicadas pela racionalidade convencional.


Sabemos que nada disso existe na vida real, mas podemos acusar de mentira uma história que contenha esses elementos? A resposta é: não. Isto porque a função da literatura não é enganar o leitor. Segundo, porque no mundo do "pode ser" a existência de universos e seres mágicos torna-se possível graças à verossimilhança. Você já deve ter ouvido falar nela, mas qual o seu significado?

De acordo com o dicionário Aurélio (2010), verossímil significa algo "semelhante à verdade, que parece verdadeiro, provável". Portanto, a verossimilhança indica a qualidade daquilo que é verossímil. Teóricos a classificam como:

Interna: quando há coerência entre a estrutura narrativa e seus elementos internos, como em "O Senhor dos Anéis", de J.R.R. Tolkien.

Externa: quando o universo ficcional guarda relações com o tempo e/ou espaço da vida real, expandindo a sensação de realidade. Por exemplo, em "Batman", de Bill Finger e Bob Kane, Gotham City é uma cidade fictícia que enfrenta problemas reais de uma cidade real (corrupção, criminalidade etc).

Na literatura fantástica, a verossimilhança é um dos pilares organizadores, digamos assim, do universo ficcional, no qual o enredo, personagens, tempo, espaço e narrador precisam estar em harmonia para a história fazer sentido.

Vale lembrar que, por mais fantástica que uma narrativa seja, o mundo real será sempre o ponto de partida, um referencial. Esse paralelismo com a realidade precisa existir para que haja verossimilhança.

De acordo com o filósofo e teórico da literatura, Tzvetan Todorov, autor de "Introdução à Literatura Fantástica" (2004), o fantástico ganha vida justamente quando o leitor sente dúvida, hesitação e ambiguidade ao entrar em contato com um mundo que parece o seu, mas que ao tempo é tão diferente. Sobre verossimilhança, Todorov diz que:

"A verossimilhança não se opõe [...] absolutamente ao fantástico: o primeiro [item] é uma categoria que se relaciona com a coerência interna, com a submissão ao gênero, o segundo se refere à percepção ambígua do leitor e da personagem. No interior do gênero fantástico, é verossímil a ocorrência de reações `fantásticas` (TODOROV, 2004, p. 52)".

Na Grécia Antiga, Aristóteles já falava em verossimilhança ao pensar a relação entre o mundo real e a sua representação por meio da arte. Em "Arte Poética", o filósofo defendeu que a literatura, assim como as demais manifestações artísticas, seria uma imitação, uma representação da realidade, o que ele chamou de mimese, e estaria no limite entre o real e o imaginário, ou ainda entre a verdade e a mentira. Quando falamos de narrativas fantásticas, esse limite se expande para o natural (as leis físicas que conhecemos) e o sobrenatural (leis desconhecidas), como elucida Todorov (2004):

"Há um fenômeno estranho que pode ser explicado de duas maneiras, por tipos de causas naturais e sobrenaturais. A possibilidade de vacilar entre ambas é que cria o efeito fantástico".

Todorov (2004) divide a literatura fantástica em três segmentos: fantástico puro, estranho e maravilhoso. É comum um gênero se sobrepor ao outro, o que muitas vezes dificulta uma classificação precisa. Segundo o autor, a forma como o elemento mágico é explicado ou não dentro da história é o que vai estabelecer essa definição. Neste vídeo, o escritor e professor da Metamorfose, Duda Falcão, explica com detalhes a diferença entre o fantástico, estranho e maravilhoso.



Por fim, tão logo o leitor compreenda o funcionamento do universo ficcional criado, perceberá a narrativa como verossímil. Basta ver que no enredo criado por Mary Shelley e Bram Stoker, Frankenstein e Conde Drácula são tão reais e coerentes quanto eu e você vivendo no Planeta Terra. Nesse sentido, ao escrever uma história fantástica avalie se há verossimilhança, reveja as possíveis inconsistências narrativas e verifique se todos os elementos internos estão coerentes entre si.

 

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